terça-feira, 24 de janeiro de 2012
onde o filho chora e a mãe não vê
que o criolo é um dos melhores rappers da atualidade, não há dúvida. o cara ainda aparece com um clipe desses, que sintetiza toda a carga nostálgica presente no Nó na Orelha, seu mais recente álbum. é feito à base jump-cuts, olhares e decupagens que diferem as diferentes épocas da vida dele - e por mais que seja uma ideia meio batida, o negócio é tão pessoal, com um algo de emocionante e bonito e crível e enfim, não tem muito o que reclamar. e é isso, um videoclipe bonito e uma música também sensasional.
sábado, 21 de janeiro de 2012
The Thin Blue Line
"I do have to admit that in the Adam's case — and I've never really said this — Doug Mulder's final argument was one I'd never heard before: about the "thin blue line" of police that separate the public from anarchy."
é nessa linha de raciocínio que o documentário de Errol Morris, que mais se parece com uma 'american horror históry' ensaiada farsescamente como documentário, se desenvolve. 1976: Adam Randall é um homem comum que, após ser abordado por um rapaz de 16 anos chamado David Harris, embarca em uma noite rechaçada com bebida e maconha e um incidente que mudaria sua vida a partir de então: o envolvimento com a morte de um policial, baleado com 5 tiros enquanto abordava um carro para alertá-lo que suas lanternas estavam apagadas. os dois sujeitos no carro eram Adam, no volante, e David, supostamente agachado no banco da frente.
morris era, na época, um jornalista que levou anos a fio estudando o caso, e o resultado de toda pesquisa nos leva a esse filme, de depoimentos controversos, imagens de arquivo, reconstituições da cena (encenadas por diversas maneiras, que ilustram cada declaração dada) e acima de tudo imparcialidade: trata-se de um filme que não busca respostas ou soluções, mas que procura questionar o telespectador sobre o que ocorreu, para que ele tire suas próprias conclusões sobre o caso. por mais que existam depoimentos que indiciam um falso esquema da promotoria para incriminar erroneamente Adam, por outro lado os próprios promotores testemunham com suas justificativas para ter tomado tal ação.
o fato é que david, então um adolescente de 16 anos que fugiu de casa após ter cometido inúmeros furtos e delinquências, atuou como testemunha de acusação e incriminou adam, um sujeito comum, que nunca foi fichado na vida. a questão da tênue linha da morte da polícia que separa a sociedade da anarquia se contradiz, uma vez que a racionalidade passa longe da promotoria e dos policiais envolvidos no caso, que condenaram adam à prisão perpétua após uma longa apresentação de provas a seu favor - a sentença, na verdade, era de morte, mas o poder do filme foi tão grande que um novo julgamento deu a adam o direito à vida. tamanha é a especialidade de morris na condução de casos investigativos que o depoimento final, dado por david exclusivamente para o filme, não revela uma suposta confissão, mas indicia que adam não foi o culpado por tudo aquilo, sendo apenas um bode expiatório na história toda. um filme forte, genialmente orquestrado pela música de philip glass e pelo tesão à investigação de morris.
- There's probably been thousands of innocent people convicted and there will probably be thousands more
- Why?
- Who knows?
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Jacques Demy: Pele de Asno
Se o cinema, arte comunal que lança dados ao (im)possível, que propõe uma outra realidade/visão de quem o realiza, e que busca no espectador um refúgio para suas intenções e peripécias, pudesse ser resumido a um único filme, este seria Pele de Asno - um conto de fadas de Perrault adaptado sob as lentes de Jacques Demy, diretor que desde pequeno nutriu amor pelo cinema e pela história de Peau D'ane, uma princesa que decide fugir de seu reino após ser pedida em casamento pelo próprio pai, ao passo que recebe ajuda de uma fada madrinha e se apaixona por um príncipe de outras terras.
Escrevo essas palavras enquanto escuto as músicas de Michel Legrand, compositor francês que criou a trilha sonora deste que é um dos mais belos exemplos daquele cinema rompedor das barreiras de realidade, que busca na imagem em movimento um mundo fantástico onde não existe limites para a imaginação e para o poder de criação. Adaptado de uma das histórias de "Contos da Mamãe Gansa" - que conta também com famosos contos de fadas como A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, Barba Azul, entre outros -, Pele de Asno entra na filmografia de Demy como um perfeito exemplar de seu cinema romântico, de plasticidade quase irretocável, delicada e pura, e musical: as músicas, nos filmes de Demy, tomam proporções tão grandes que se transformam quase que em personagens vivos. Os Guarda-Chuvas do Amor, por exemplo, é inteiramente cantado, com diálogos melodiosos/rítmicos; não o bastante, é um dos filmes mais bonitos que se tem notícia.
Pele de Asno não é diferente, apesar de selar pelo gênero mais conhecido do musical: as melodias são normalmente intercaladas com partes da história, e no momento em que se vê necessária a expressão direta dos sentimentos das personagens, elas entram, entoadas pelas vozes de Catherine Deneuve, Jacques Perrin, Delphine Seyrig, etc. A música pode, em determinado momento, interromper bruscamente uma cena dramática, tirando-lhe um pouco de sua carga emocional, mas sendo músicas tão bem relacionadas à história, tão pertences de fato ao conto que fazem presença e tão belas, o problema é infamado. Aqui, elas não atuam como agentes de alegria contagiante, grandes coreografias e cenários babilônicos - como nos grandes clássicos americanos -, mas de uma maneira mais simplista, pessoal, que reside mais nos sentimentos particulares de cada uma das personagens. Esse, talvez, é um dos grandes charmes do filme, transformando a trama de conto de fadas num algo passionalmente singular, enquanto reflete tudo aquilo que o cinema busca enquanto arte imaginativa.
(Cena mais linda do mundo aqui)
Fadas, sapos, princesas, amores proibidos e sonhos; além de rebuscar temas mais sérios como o incesto e o preconceito: Pele de Asno sobrevive ao tempo do mesmo jeito que os contos de Perrault. Nos vemos espelhados, de uma maneira ou de outra, no fantástico apresentado pelas suas histórias, enquanto estes tentam fugir da realidade que nos rodeia. Afinal, é isso que procuramos: um abrigo irreal, onipresente em todos os contos de fada. Demy, que tantou os ouviu quando pequeno, sempre teve enorme vontade de adaptar Peau D'ane para o cinema, mas com certeza nunca soube que o produto final seria algo tão refinado e espetacular - de fotografia embaçada que relembra o período áureo hollywoodiano -, que pretende em cada frame ir atrás de um outro universo, onde o inverossímil ganha crédito e o espectador recebe uma bela carga celebrativa de amor ao cinema e à vida.
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